Sou das que defende que a Assembleia da República devia legislar e não referendar. Mas já que Guterres nos fez reféns de um referendo imposto por Marcelo que Sócrates se comprometeu a honrar, que assim seja...
Votar é a expressão de uma dupla liberdade: o direito de exercer ou não um dever cívico e o direito de escolher o sentido de voto.
Qualquer sentido de voto é aceitável e legítimo. O que não posso já respeitar é a mediocridade de alguns políticos, ou não, que vão dando a voz pelo sim e pelo não.
Vejo não raras vezes a sessão parlamentar na TV e fico estupefacta com a falta de conteúdo, capacidade oratória, de retórica, de argumentação, que alguns por ali exibem.
O momento mais alto acontece quando se levantam para abandonar a câmara. São muito raras as excepções de genuina qualidade em qualquer bancada.
Vem isto a propósito da confusão em que somos induzidos com este referendo. Não se pergunta se é pecado, não se pergunta se é ética ou moralmente reprovável. A moral, a religião, a ética e o direito são ordens normativas distintas. Neste momento só se questiona se consideramos que abortar até às 10 semanas sem ter de apresentar qualquer justificação deve continuar a ser crime.
Não necessitamos de argumentos economicistas, religiosos ou tão pouco dos argumentos do direito ao próprio corpo. Só necessitamos de nos concentrar no que entendemos que deve ser crime.
Poupem-nos, por favor, a radicalismos de pouca dimensão intelectual ou mesmo de desonestidade intelectual, do lado do sim e do não.
Só por desonestidade intelectual pode Lobo Xavier, inteligente e informado, considerar que se quer tornar o aborto uma forma generalizada de contracepção. Se pudesse ser um contraceptivo não havia gravidez, logo não fazia sentido interrompê-la.
Porque não nos empenhamos em esclarecer, falar verdade sem falácias, defendendo uma legítima posição a que deva ser considerado crime ou não?
E deixemo-nos de cinismos e hipocrisias dizendo que nenhuma mulher foi presa e por isso pode continuar a ser crime. Se achamos que deve ser crime devemos também aceitar a pena que lhe está associada!
Nós por cá tivemos um último contributo da Dra. Marta Carvalho que resolveu equiparar o aborto à pena de morte, com a diferença de este último ser aplicado a inocentes!
Que nenhum condenado à morte ouça esta ofensa! Não devemos comparar o incomparável.
Votem em consciência: sim ou não, desde que o façam de forma esclarecida, livre e sentida, sem argumentos ou comparações infelizes e radicais.
dass
12 comentários:
Perfeitamente de acordo com a forma como expôs a questão, sobretudo ao nível de processo Legislativo versus referendo.
O termos ficado reféns da opção tomada pelo Eng. Guterres foi apenas estratégia deste não para resolver o problema, mas para o arrastar, sabendo ele, como ninguém, como a questão era fracturante na socieade portuguesa.
eu voto Sim... a favor da Mulher poder decidir/escolher!!
eu voto Sim... a favor de Todas terem condiçoes para fazer as IVG!!
Para serem pagos com os imostos de TODOS, eu voto NÃO.
Eu votarei "sim" e acrescento que a posição Igreja me provoca um asco dos diabos...
Eu voto não.
Respeito a sua opinião.
Não acrescento mais comentários
O post está brilhante, como Dass nos vem habituando.
Concordo com o seu teor e sublinho a necessidade de se repetir à exaustão o conteúdo da pergunta referendada.
No entanto, tenho receio que uma eventual vitória do Não, nos venha demonstrar o país pequenino, beato e desinformado que continuamos a ser.
A Marta Carvalho (quem é tal personagem de horror?) é do não porque tem medo dos efeitos retroactivos!! Eh!Eh!Eh!
Não.
dass, como suponho que és advogada, esclarece-me:
Se o "sim" ganhar e o aborto for depois das 10 semanas, há julgamento ?
E seguem-se as vias legais, leia-se prisão ?
é que confesso, nunca ouvi alguém opinar concretamente sobre esta situação
Respondo com prazer ao último comentário. Se o sim ganhar, a despenalização ocorre só até às 10 semanas, pelo que, salvo as situações já actualmente previstas na lei (designadamente de má formação do feto, perigo para a saúde ou para a vida da mãe ou gravidez resultante de crime contra a liberdade e auto-determinação sexual)a mulher que se faça abortar ou que consinta num aborto fora das situações salvaguardadas cometerá um facto ilícito típico e ficará sujeita à perseguição penal (julgamento e pena, designadamente de prisão, que neste momento pode ir até aos 3 anos).
Obrigado dass, pela resposta.
última coisa (não é uma pergunta :-) ). Era interessante que os defensores do Sim, demonstrassem, quantos foram os julgamentos que houve, que teriam sido evitados com a alteração da Lei.
Concordo em absoluto (e certamente quase toda a gente) que a sanção criminal para quem aborta é intolerável, que os julgamentos são uma humilhação, uma vergonha.
Resoverá aquestão ou "abandalhará" ?
beijinho
Chegou-me à mão uma interessante comparação da legislação europeia sobre o tema. Eis alguns exemplos:
Alemanha: IVG até às 12 semanas por solicitação da mulher.
Dinamarca: idem
Grécia: ibidem
Bélgica: até 12 semanas "nos casos em que a gravidez provoca na mulher um estado de angústia".
Suécia: até às 18 semanas.
Reino Unido: até às 24 semanas "quando a continuação da gravidez envolve um risco maior do que a sua interrupção, para a saúde física e psicológica da mulher."
Rússia: sem limite temporal
Ucrânia: idem
Irlanda: IVG é punida por lei, excepto se "ficar comprovada existência de real risco de vida para a mulher".
Como se vê, só a Irlanda destoa deste panorama legislativo. Nós at´e só vamos referendar até às 10 semanas !
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