O silêncio do Arguido
por maria l. duarte, em 09.02.15
Discute-se, por estes dias, o crime/tipo criminal de enriquecimento ilícito, injustificado ou o que a cosmética lhe queira chamar.
Entretanto, ficamos já a saber que há quem pretenda um crime pela não declaração, ou errada declaração de rendimentos por parte de políticos, assessores, adjuntos e todos os que se puderem abarcar, mas supostamente um crime próprio; e um crime comum, ou seja, qualquer pessoa (Independentemente da ligação ao estado ou a cargo político ou de confiança política) pode ser agente do mesmo, seria o crime de enriquecimento indevido, ilícito, não justificado.
A TSF, hoje, fez uma ronda pelos vários partidos - pese embora não tenha expressamente questionado cada interlocutor, a cada momento, se aquela declaração era governativa, partidária, vinculativa ou feita a título de mero cidadão.
Sou suspeita, considero este crime um crime aberrante. Uma, cada vez mais consentida, violação dos direitos fundamentais, uma intromissão do estado na nossa reserva, um perigo, uma violação de princípios de que temo abdicar.
A justiça é um valor absoluto, mas a justiça feita por homens não. Não pode ser, pela nossa própria natureza.
Ninguém está livre de ser alvo de processo injusto, kafkiano (ainda que sem corrupção dos administradores da justiça). E se isto acontecer, no dia em que qualquer um de nós for alvo de processo injusto, lamentará todas as garantias que deixou eliminar, em silêncio.
Não posso ouvir o argumento do "quem não deve não teme". Porque é um não argumento. Um vazio, porque não tenho nada a esconder mas quero permanecer reservada.
Em abstracto, este não argumento, daria para tudo. Desculpem, dá para tudo, porque é abstracto. Dá para as pobres declarações do nosso "estejêmos" Primeiro Ministro, que não acha grave que o escutem ou revelem escutas, porque nada tem a esconder. Triste país onde um PM não tem conversas de reserva. Dá para impor toda a devassa, toda a vigilância, penas abjectas até; afinal, se nada tememos, nunca as sofreremos.
Mas pior do que toda esta pobreza foi ouvir Teresa Leal Coelho. Começo por ficar elucidada sobre o bem jurídico da escassez de recursos/capital para o desenvolvimento económico e social - cortei um pulso.
Por acaso estes políticos não percebem que este é justamente o bem jurídico que um dia permitirá anular a fronteira entre responsabilidade política e responsabilidade criminal? Não, não percebem. Ah, perdoem: nada temem.
De seguida foi a desgraça. Com ou sem melena nos olhos (o sem foi imaginação minha), a senhora deputada explica que o Tribunal Constitucional, no chumbo, tinha mostrado reservas a um ponto concreto: uma das decorrências do princípio da presunção de inocência (que agora tem vários graus, sendo cada vez mais um " eu não digo, mas que é culpado, é") é o direito ao silêncio, explicou. O Arguido pode decidir não se pronunciar sobre quaisquer factos que lhe sejam imputados, sem que o silêncio o possa prejudicar . Esta regra de ouro vale como uma verdadeira imposição ao investigador, ao dono do Inquérito ou ao Julgador.
Não podem extrair-se quaisquer consequências negativas deste silêncio. O silêncio não pode ser, em processo penal, um "quem cala consente". Ora depois de revelar que está era a preocupação do TC, Teresa Leal Coelho desdobrou-se em exercício sofista, exercício de retórica argumentativa, e não correu bem.
Já não há este perigo porque é o Ministério Público quem tem de provar que o rendimento não foi obtido de forma lícita. O Arguido tem todas as garantias de defesa, garante. Obrigada, senhora deputada.
E se pretender pode, a todo o momento, atacar esta imputação. Como? Declarando a proveniência dos rendimentos.
Hahahahah, isto só pode ser humor. Bolas, este MP de Teresa Coelho não conhece a Parte do Código Penal dos Crimes, parte Especial. Se o MP fez tão aturada investigação e concluiu que a fonte é ilícita é porque descobriu que o rendimento provém de fonte ilícita. Logo que o enquadre num tipo existente. Foi corrupção? Foi burla? Estamos a falar de branqueamento?
Para mim, que sou limitada o Arguido tem, neste novo tipo criminal pretendido, o ónus de falar, se se cala assume a ilicitude do rendimento - porque o MP já descobriu que lícito não é. Logo, e em bom português "o silêncio prejudica o arguido", é uma quase confissão. Cruz, credo, como posso cometer tamanha blasfémia?
Honra seja feita ao jornalista. Ele bem ficou confuso, também achou que o silêncio continuava a prejudicar, nesta acepção, bem questionou uma e outra vez sobre a diferença entre a primeira é a segunda formulação do tipo para evitar este efeito perverso. Nada a fazer: sim há inversão do ónus da prova, sim há violação do princípio da presunção de inocência, sim o silêncio prejudica o Arguido.
E afinal o crime será só (independentemente do nome), crime de rendimentos desconhecidos.
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