por maria l. duarte, em 31.01.15
Deixemo-nos de subterfúgios e de cobardias.
O conteúdo das audiências que o Presidente da República concede deve ser reservado? Deve, obviamente.
Acontece que:
- Cavaco assegurou aos portugueses que podiam confiar na solidez do BES (pouco antes da «solução final»);
- Houve pequenos investidores a ir colocar dinheiro no BES, e a perder tudo;
- O BES passou a banco mau, com um novo banco mal parido (curiosamente ainda no mandato do conselheiro de estado que o era, que deixou de ser (ou não), que voltou a ser, que se desvinculou do Banco de Portugal, que retomou ao Banco de Portugal porque afinal ninguém tinha assinado a desvinculação - ufa), quase imediatamente;
- O PR afirmou que só tinha as informações que o governo lhe dava. O que, inclusive, alguns comentadores anunciaram como um fim de namoro entre a Presidência e o Governo, com Cavaco a dar a entender que o Governo podia não lhe ter contado tudo. De Belém, também nos lembramos, já se deu a entender que se era escutado - por isso, se calhar, também não era para levar a sério;
- Salgado afirma que teve duas audiências com o PR, já confirmadas. Até aqui continuariam a ser reservadas, cum grano salis;
- Porém, Salgado vai mais longe, e afirma que numa dessas audiências informou o PR sobre o colapso iminente do BES/GES;
- Há interesses dos portugueses (sim, o Banco de Portugal, que se afirma enganado e impotente, é o regulador nacional), há interesses dos contribuintes, do povo, em nome de quem são exercidos os mandatos, em jogo;
- Interesses tão relevantes, porque a segurança e solidez do sistema bancário e financeiro, não é de somenos, mas um pilar fundamental da nossa hodierna sociedade, que justifica uma Comissão Parlamentar de Inquérito;
- A partir do momento em que Salgado diz que não numa conversa «pessoal, privada», mas em audiência concedida «formalmente» em Belém, deu conhecimento ao PR do colapso iminente do BES, um PR não pode refugiar-se no carácter reservado da audiência para não dizer «fui informado e menti ou não fui informado e Salgado mentiu».
- A reserva tem fundamentos: a confiança de quem é recebido em audiência, em prol da protecção e da melhor defesa do interesse nacional, dos portugueses. Se o interlocutor faz uma afirmação sobre o conteúdo da audiência, infirmá-la ou corroborá-la não está sob reserva.
- Senhor Presidente da República, não responde perante o Parlamento, mas responde perante o povo. E aqueles deputados representam o eleitorado. Diga-o na Comissão, diga-o em comunicado aos portugueses que o elegeram, que não o elegeram, que se arroga representar aqui e no estrangeiro, que sempre pagaram impostos para sustentar a sua já longa carreira política, mas está instado a pronunciar-se. O silêncio não é aceitável.
- Em direito diz-se o silêncio «parece» que consente, em política, o silêncio permite-nos inferir toda a aparência da mentira.
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