segunda-feira, novembro 30, 2015

Quando é que nos tornamos tão parolos?

Por estes dias é um "conceito" um suposto revivalismo o regresso a tavernas, tabernas, adegas, botequins e petisqueiras. 
Este suposto é só suposto.
Alguém já frequentou uma verdadeira taberna? Dispensamos as moscas, é certo, bem como os candeeiros que as electrocutavam com um barulho assustador. Numa taberna comia-se, conversava-se e bebia-se.
Comer não é provar. Quem ía à taberna eram os homens valentes da terra, os populares de trabalho braçal, homens de muito alimento e sem dinheiro para coisas caras.
Hoje vamos todos cosmopolitas às tavernas ou tabernas, porque não podemos ficar fora do conceito. E o conceito é vendido logo pelos novos taberneiros, que Deus nos livre de os considerar taberneiros. São sempre pessoas com "outras vidas". Podiam ter qualquer outra opção, mas escolheram o estabelecimento apenas como um passatempo, como um modo de gastar dinheiro e conviver com uns amigos, como uma forma de ensinar aos parolos que há conceitos novos, revivalistas. Contudo, não convém muito averiguar sobre a sua verdadeira situação pessoal, não vá dar-se o caso de, afinal, aquele ser mesmo o seu modo de vida, a sua profissão. Porque nós, que vivemos do nosso trabalho, podemos ofender tão ilustres personagens com este pensamento herético.
Passemos à comida, serve-se pouco, mas há muito conceito. É para provar, é para partilhar, é para pedir vários petiscos, mas, contudo, o preço é o de um prato completo, num restaurante normal, que não tenha "um conceito". Um restaurante somente, que nós, parolos, poderíamos frequentar.
E aquelas pessoas gourmet, que nos vão ao bolso com um sorriso de "estamos a recebê-los como em casa, isto não é profissional", servem-nos doses ofensivamente pequenas, que servem para provar, não para lanchar, almoçar ou jantar, e não estamos em provas de degustação.
Curiosamente, quando vêem os pratos, invariavelmente, os comensais anunciam: que são frugais, que afinal naquele dia nem tinham fome, que só queriam mesmo provar, que a refeição anterior ainda os deixou enfartados. Naquele dia não queriam mesmo comer, só vieram pela companhia, por isso a micro, micro, micro dose, a preço médio, macro, desproporcionado e caro, serve.
Só os parolos diriam que consideram aquela dose ofensiva, que o preço não se adequa ao que se serve, que aquilo não é jantar, que têm uma fome normal, um apetite normal.
Falo agora de 4 exemplos. 
1.° taberna teimoso, Figueira da Foz -  Aqui temos doses micro, micro a preços que, se verdadeiramente se quiser comer, só estão ao alcance de bolsas abastadas. Aqui está uma taberna onde ninguém entra com fome e onde jamais entrará quem alguma vez frequentou uma taberna;
2.° Quebra Costas, em Coimbra. Estabelecimento girissimo, tapas mínimas a preços classe alta. Aqui também ninguém tem fome. As pessoas entram só por entrar, sim, porque se fome tivessem teriam de pagar por um jantar mais do que pagariam num hotel 5 estrelas;
3.° Clérigos, Porto. Eis uma zona cara, onde as tapas são tapas e são baratas. Ou seja, sim, pode combinar, facilmente, 3 tapas e comer uma refeição, sem ficar com fome, a um preço simpático e sem grande pretenciosismo;
4.° Volta e Meia, Figueira da Foz. Ficamos a meio caminho entre o petisco, o prato e a tapa. E no fim, por uma pequena refeição, sem ingredientes de primeira água, pagou-se mais do que se pagaria num restaurante de doses normais, com boa qualidade. Mas o conceito é giro, parece uma taberna, uma petisqueira, mas fica a meia volta de qualquer destas coisas; só mesmo a meia. Vale a pena o cheese cake, só.
5.° Taverna Ti João, Figueira da Foz, a minha última experiência. Prego no bolo/pão do caco, em que o pão era de fraca qualidade, mas a carne, que era uma ilha no meio do pão, era de qualidade. Havia era pão a mais para carne que caberia numa metade do que a envolvia. E pediu-se também um bife. Toda a gente sabe o que é um bife, certo? Errado. Um bife não é nada disso que imaginam, é apenas um medalhão, uma medalhinha (melhor dizendo), sendo a conta um alfinete de peito.  Alguém pode pretender que uma fatia de carne com 2 cm/s por 3 cm/s seja um bife? Cada um faz as suas listas com os preços que entender. Ponham um bife a €50,00, só entra quem quer, só pede quem quer, mas talvez não possamos dizer que estejamos numa taberna. Mas que seja um bife. Mas não me ofendam, por dinheiro nenhum, a servir um bife que permite duas garfadas a quem não quiser ser mal educado e comer de um único fôlego. Sim, o bife não custava €50 euros, mas pelo preço só foi servida a prova, ou a sobra, ainda que bem confeccionada.
Mas se calhar não fomos ali para comer, mas para fazer parte de um conceito. 
Depois olho para os donos, gordinhos. Olho para um cliente com peso bem acima da média, uma cliente obesa, e penso: que parolos que nós somos. Só não têm fome ali, naquele dia? Ao sábado à noite ninguém tem fome? Ou comem açorda antes do jantar? Ou melhor, vão para casa comer pão e papas cerelac porque a fome não perdoa? É isto que agora se faz, cosmopolitamente, ao sábado à noite. 
O sítio é giro. Mas descobri que sou parola, que sou saloia, que não quero fazer parte de conceitos, que sou portuguesa em Portugal. 
Descobri que estes conceitos me ofendem e me ofende o nacional carneirismo das modas. E ninguém desalinha, ninguém critica, não vá dar-se o caso de ser labrego.
Descobri que estes conceitos me ofendem quando um incauto estrangeiro ali possa cair e, afinal, descubra que é mentira que em Portugal se receba bem à mesa, se coma bem. Ou melhor, que estes donos gourmet estejam a desvirtuar o conceito de taberna, o conceito de mesa portuguesa, o conceito de sermos um país de prazer gastronómico.



1 comentário:

Belinha Fernandes disse...

Gostei de ler, há tanto tempo que não espreitava o blogue, anos se calhar! Fico avisada, escapar a essas armadilhas envoltas em marketing bem oleado nem sempre é fácil... ehehe. Mas eu, que detesto cozinhar, desde que abri os olhos comecei a fazer petiscos chez moi. Eu sei, eu sei, não muda a decoração nem o conceito. Mas é uma aventura. Depois de anos a experimentar restaurantes desisti. Só vou mesmo se for por um prato bem especial que eu não consiga fazer, uma experiência das boas, o lugar, com créditos conhecidos. De outra forma, não. Não tenho dinheiro para arriscar nem para passar amargos de boca. E se tenho fome procuro um sítio pacato e comum, sem marca nem conceito, onde me servem simplesmente comida bem feita. Aqui na Figueira já nem sei comer fora! Um bom Natal e um bom ano!

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